Seguidores

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A C A D E M I A

 Conto selecionado para compor o livro




E amanhece novamente naquela pacata cidade do interior. Pessoas levando seus filhos à escola em seus carros socialmente aceitos ou a pé, como manda a boa forma, e por que não dizer a sábia cultura oriental de levar a vida.


E, por falar em boa forma, lá vou eu novamente à academia tentar assassinar meus quilos indesejáveis. Claro que o grande motivo é manter a forma mesmo que, no âmago de nossos sentimentos, façamos fila com todos os obesos do local. Sofredores incontroversos, sorrimos aos olhares discretos dos elegantes atletas que deveriam fazer aula em horário próprio – mera questão de justiça.

Trepando sobre minha amiga e companheira de pensamentos solitários – a esteira elétrica – início da jornada rumo ao desconhecido. Da visão suada, e não menos deslumbrada por aquele dia lindo de outono, vejo todos que param na rua e analiso um a um em ofegante silêncio.

Sob um sol claro e vento singelo, estaciona um velho utilitário que praticamente “vomita” uma gorda tenebrosa. Coitada! Sabe lá quais os motivos que a fazem sofrer a ponto de optar pela academia àcirurgia direta de redução de estômago. Acho que se deve ao infinito otimismo dos obesos. Ser gordo, além de saboroso, é motivo para fazer grandes amigos. Todo gordinho é boa praça, bom amigo, confidente e até, em poucos casos, bom amante, mas somente em poucos porque sentir o que não se pode ver é coisa da era do iluminismo.

E a “vomitada” gordinha – que trato carinhosamente porque parece ter uns cento e cinquenta quilos - atravessa a rua meio ofegante e volto a pensar: mas se nem começou a se exercitar por que estaria ofegante? Estresse pré-traumático? Ansiedade? Talvez dificuldade em arrastar-se academia a dentro!

A perco de vista e sinto a boca salgada. Claro, fiquei tão intrigado com a miss adiposa que esqueci de limpar o próprio suor...normal.

Nos fios da rede elétrica, um casal de pombos enamoram-se com roçar de cabeças ao som de piados roucos e abafados.

E a manhã segue agora iluminada por um sol brilhante de outono que logo raiou sobre aquele belo veículo importado de onde desceu o que poderia ser considerada a vilã da academia. Uma moça jovem, dona de pernas esculpidas por todo tipo de desejo saudável e bumbum que fez todo o time de “esteirantes” local, de ambos os sexos, prestarem atenção a sua passada.

Olhando a cena fiquei pensando o que passaria nas cabeças dos ali enfileirados em suas esteiras onde também me encontrava. O rapaz ao meu lado manifestou desejos que, pelo mostrar discreto da língua, me recuso a declinar. O homem maduro ao seu lado, bom: que fique claro o significado de “homem maduro”- sexagenário cortador de filas bancárias - mostrou um olhar de curiosidade simplesmente ridículo. Me fez pensar que há muito não entendia o que seria aquilo ou qual serventia teria. Tudo bem que, a julgar pelo porte do carro, deveria servir apenas para “aquilo” que o jovem mostrara interesse. Se bem que estaria de bom-tom. . . e novamente o lábio ficou salgado com o suor que rapidamente enxuguei.

O gosto salgado do suor no lábio pode parecer nojento a todos que me lêem; mas, sinceramente, não acho porque trata-se do meu suor. O único inconveniente que sinto é ser imediatamente reportado aos quitutes e todo tipo de delícias que acompanham uma boa e gelada cerveja. . . coisa de gordo em exercício.

Mas voltando ao povo “caminhadamente” ofegante a meu lado. Depois do tiozinho sexagenário estava a gorda “vomitada” do carro que, andando em passos lentos, ao ver a moça ameaçar entrada na academia também ameaçou – fugir de lá!

Olhou com tamanha fúria assassina para a donzela que ensaiei um auxílio imediato caso atacasse a pobre belinha, afinal, que culpa tinha ela de não comer bem ou, quem sabe, ser portadora de algum tipo de insensibilidade na língua? Talvez tenha um marido (eu vi a reluzente aliança) austero que limite sua vontade de comer. Fico pensando até se a coitadinha não seria uma anoréxica enrustida ou com doença ainda não diagnosticada, uma coitada mesmo.

A entrada da moça no recinto retirou da gorda um olhar de tamanha indignação que a fez olhar com fúria para os pombos inconformada; mas, de certa forma, atraída por eles.

Por um instante jurei ser ela capaz de comer a ambos com uma dentada para cada um. . . foi horrível, coisas de gordo com raiva.

Tudo bem! Confesso ter sido atraído pela moça, mas todos somos reféns de nossa curiosidade. Impossível não notar a entrada da gorda “vomitada” do carro tirando olhares de esguelha acompanhados de manifestações “sombrancelheais” como quem diz: deixe-me pegar firme ou fico nessa fossa. Por outro lado a entrada da fêmea perfeita iluminou todos os olhares masculinos desejosos de seus pensamentos impuros acotovelando-se com os femininos invejosos da atenção concentrada.

Ora, se estamos aqui a sofrer por um corpo melhor, nada mais justo que conhecer de uma só vez o céu e inferno . . . e finalmente acabou meu tempo na esteira.

3 comentários:

  1. Luciano, seu conto é fantástico. Parece que eu que estava na esteira e via todas as cenas. Me diverti muito!!!!!!!!!! PARABÉNS!!!!!!!!!!!!!

    ResponderExcluir
  2. Excelente teu conto realmente nos leva a outro mundo estou na mesa digitando e logo me vejo dentro da academia sobre a esteira.
    Abraços
    Muito Bom

    ResponderExcluir
  3. Excelente teu conto me transportou para dentro da academia, ou seja conseguiu me tirar do lugar onde estava e ao fim retornei.
    Excelente Muito Bom Mesmo
    Abraços

    ResponderExcluir